Um dia quando eu ainda era menina, estava em férias na casa de meus avós no sitio. Eu gostava de levantar cedo para aproveitar bem o dia, levantava junto com a vovó para sentir o amanhecer no campo, no pomar em meio as arvores altas das laranjeiras antigas, poder ouvir o canto dos pássaros, o cheiro das flores brancas cheia de abelhinhas a balanças no vento, a fumacinha saindo no balde de água puxado do poço pelas mãos delicadas de minha avó Maria.
As abelhas nas flores do mamoeiro carregado,de mamões ali perto do poço, uns madurinhos e outros verdes. Os sabias comendo um deles bem amarelinho, num buraquinho feito por eles. O cavalo conversando em sua linguagem com meu avô, querendo comer milho impaciente batendo a pata no chão na porta do paiol, enquanto o vovô descascava as espigas. As galinhas disputando o milho com eles no cocho. Para mim tudo era magico, a felicidade morava ali e eu podia toca-la.
Anoite tinha sido longa demais,uma chuva torrencial havia lavado a paisagem. Como toda criança com medo de trovões, tinha caído uma grande parte em granizo, o barulho no telhado as janelas sacudiam com o forte vento, que nos assustava com suas rajadas violentas. A natureza estava furiosa, foi oque minha avó disse ao meu avô.Tudo se acalmou, a chuva afinou e conseguimos dormir, para levantarmos com o sol raiando.
E pela manhã, o sol brilhava como ouro saindo de trás do morro, e no meio aos pastos ainda havia muitas pedrinhas de gelo,que demoraram pra derrete. Parecia uma praia de diamantes o sol reluzindo em prisma nas gotas de água sobre o verde do gramado salpicados em pontinhos brancos de gelo.
Logo depois de sair da mesa do café, o meu avô me convidou para ir até o serrado com ele, buscar uns cipós para fazer medicamentos, meu avô era naturopata, preparava remedeios para toda a redondeza,conhecia tudo de raízes e plantas.Também medicava com gotas homeopáticas.
Serrado é o nome que ele dava a mata fechada, também chamava de matão. Serrada em grandes arvores de madeira de lei. Meu avô era o médico naturalista da região, profundo conhecedor do livro grosso do Dr. Almeida Prado. Ele também preparava umas gotinhas de essência de plantas em água potável que chamava de doses, estas ele mandava vir da capital de São Paulo, que curava todas enfermidades, de quem o procurava, e nunca cobrava nada.
Subimos para a grande mata nativa. Pelos caminhos arenosos da roça, cheio de poças d’água da chuva Ele me contava a idade das arvores,falava que madeira era cada árvore centenária que havia ali, desde o tempo dos escravos. Falava sobre as raízes, e as plantas que curam, me explicava sobre as madeira de lei,o seu cheiro, o para que serviam, coisas de avô.
Ao chegarmos, amaramos o cavalo na beira do caminho, e entramos mata a dentro. Era ensurdecedor o gorjear de tantos pássaros juntos naquela linda manhã de primavera. Espécie e cores diferentes, voando no frescor da mata, era tudo um encanto, o cheiro das folhagens e as folhas secas ao chão úmidos, era maravilhoso e fresco.
No alto um trançado de cipós de folhas aveludadas bem verdinhas, muitos cachos em flores cor de rosa, nos cipós sobrepondo as ramagens das arvores.
Em certos lugares faziam portais, como conto de fadas e passávamos por eles, que faziam festinhas gotejando pingos frios da água sobre nós.
Em outros lugares parecia renda colorindo as ramagens das majestosas arvores. Os colibris trinavam em todo lugar num bailado de alegria frente as flores la no alto.Ficamos ali contemplando aquela grande festa, sentindo o intenso perfume da terra molhada.Flores e ozônio das arvores. As orquídeas bem no alto em flores.Fomos andando bem devagar,em cada lugar um trinar de novo pássaro.
As folhagens balançavam calmamente ao canto do vento calmo,molhando nos com gotas de orvalho geladinho, que acariciavam nosso rosto, e eu observava um sorriso no rostinho querido do meu avô,Euclides, que ficava tempo a olhar para o alto, com ternura tocava as arvores, parecia toca-las com o coração, com a mão espalmada em seus trocos parado, admirava sua majestade em silencio.
Chegamos num lugar no coração da mata, como ele chamava, ali as folhagem e ramas fechavam só havia uma clareira que dava para ver o azul do céu. Ele me disse : É aqui que falo com Deus, venho aqui sempre para orar, e olha aquela janela la encima. Apontando para a clareira que mostrava o infinito azul. Eu acredito que o Senhor me espera pra conversar na janela do céu, continuou ele.
Vovô pegou em minhas mãos e disse vamos falar com Ele. E pode ter certeza que o Senhor esta nos vendo,eu sorri e meu avô tirou seu surrado chapeuzinho de palha da cabeça, jogou no chão, ficamos em silencio falando com Deus. Em espirito, eu só sabia agradecer por tudo, por ele ter feito aquele lugar, aquilo que eu via e por ter aquele avô com alma de anjo, e ter me colocado naquele lugar.
Ficamos ali um tempo meditando em silencio, parecia que nunca mais queria sair daquele estase, era mágico e sagrado. Quando terminamos a oração beijei as mãos cansada e queimada do sol do meu querido avô, que sorriu e disse minhas mãos estão ásperas, não merecem beijos.Eu sabia que mereciam todos os beijinhos do mundo, elas só plantavam amor.
Entre as grandes raízes das arvores meu avô removeu as folhas secas e me mostrou algo interessante, o chão estava branquinho de quilos de pedrinhas de gelo,ele disse: Olha que Deus reserva para sua natureza se refrescar, molhando as raízes com água fresca por muito tempo. Eu na minha meninice via Deus um grande magico.
De repente uma grande borboleta azul turquesa, cruzou nossa frente eu achei encantadora e o meu avô disse: São lindas eu as chamo de anjos, elas sempre apreciam minhas orações, e logo outras apareceram voando lentamente, no seu azul cintilante, eu disse: Olha outras! E meu avô acudiu com um xiuuu! Fale baixinho, para não quebrar a pureza deste santuário
Aqui começa o céu,e sorriu. Sentamos e ficamos ali mais um tempo apreciando o vibrar, da harmoniosa natureza, como Deus a fez, sem ninguém tocar, foi um momento único inesquecível.De uma energia magica.