Noite fria, véspera de natal. Estávamos sentados à beira da lareira enquanto o gelo fino caia lá fora deixando o gramado branquinho; estávamos reunidos no calor do fogo e das histórias do passado.
Sr. Rocha contava que, quando ainda menino de uns sete aninhos, já trabalhava muito para ajudar seus pais e mais quatro irmãos. Eram muito pobres; passavam tempos difíceis para quem vivia no campo. Ele, sendo pequenino, trabalhava em um serviço aos olhos de muitos perigosos, mas isto aos olhos inocente de criança era normal, porque animais e anjos se entendem; todos sabemos disto.
E desde a madrugadinha o menino Rocha tocava um touro, chamado Preto, em volta do poço, que através da nora retirava a água para regar as plantações. Nora é uma corrente com pequenos baldes, um após o outro, para retirar continuamente a água do poço. Enquanto o touro rodava a engrenagem da nora Rocha ia atrás coordenando, conversando e às vezes cantando alguma canção. Era o único amigo que ele tinha dia após dia. Era um menino muito solitário apesar de morar com sua patroa, uma senhora de cinqüenta anos, e sua mãezinha de oitenta e poucos anos. O menino trabalhava muito andando quilômetros atrás do touro desde muito cedo até a noitinha; ia para casa de seus pais nos fins de semana, e quando já era noitinha punha o touro no pasto e ia para casa das senhoras, que lhes dava algo para comer, um banho quente de bacia e uma cama feita de palha.
Estando ele já na sua caminha observava a sua patroa, chamada Vitorina, à beira da lareira antiga cochilando de modo que caia, batia a cabeça na pedra da lareira e voltava a cochilar; sua mãe a chamava pra ir para cama, mas respondia que queria ficar ali só mais um pouquinho no quentinho das labaredas. Rocha, o menino, ficava com muita pena de Vitorina, pois sabia que estava muito cansada de lavrar as terras; era sozinha para fazer serviços de homem. Ele adormecia logo, porque sabia que antes do amanhecer, quando o galo cantasse, já estaria levantando e saindo para pegar o touro no pasto para mais um dia de longa caminhada. E este, para ajudar, ainda era muito bravo e só o menino e sua patroinha que com ele lidava. Este touro foi ficando, a cada dia que se passava, cada vez mais bravo; tanto que o povo passou a ter muito medo do grandalhão.
Depois de inúmeras reclamações a dona Vitorina resolveu vender o touro numa feira de uma aldeia perto dali. Saíram pela manhã em que pequeno menino ia à frente do touro o seguindo e, logo, Vitorina atrás. Caminharamdurante várias horas até à feira. Até que então na parte da tarde foi vendido o Preto – como o menino o chamava -, e lá se foi o menininho Rocha de pés descalços levando o touro para outra fazenda. Chegando já ao cair da noite o novo dono ordenou que o fechasse no curral, e deste modo fizera o menino e sua patroa, e logo se foram. O touro ficou urrando e o menino foi se afastando e chorando, sumindo na curva da estrada, então foi embora sem olhar para trás para não ver o Preto ficando sozinho na solidão e na escuridão.
Os negócios naquele tempo eram feitos na fiança em que haviam alguns dias para se arrepender e voltar atrás. Ao se completar três dias o comprador pediu um favor: para irem buscar o touro que estava enlouquecido no curral, sendo que ninguém chegava perto dele, pois urrava e corria de um lado para outro, não comendo e bêbedo por três dias. Estavam com medo de escapar e acontecer algo de ruim a alguém.
A patroa foi buscar o menino, que estava no trabalho e dirigira, para o local ao encontro, do touro, o menino não via a hora de encontrar o seu melhor amigo.
Quando na curva da estrada ainda longe o pequeno menino chamava pelo touro Preto. Aquietou-se e ficou estagnando com a cabeça ao alto. Ao ouvir respondia com um forte urro. Quando viu o menino, o touro, parecia querer falar com o pequeno, que lhe dava muito carinho. Entao, em lágrimas de alegria, prometia levá-lo para casa; todos correram para subir em um lugar alto, enquanto aquele pequenino menino soltava o gigante, e falando o encaminhava para a estrada; e touro como um cãozinho o acompanhava. O pequeno seguia cantando uma canção, que costumava cantar quando trabalhava e assim voltaram a vida de antes por muito tempo.
Até que um dia, o Preto teve que ser vendido para o matadouro, mas o menino não quis ver o seu amigão indo embora sendo que até hoje aos seus sessenta se recorda com o mesmo carinho e saudades do amigo nas longas noites que passou a chorar baixinho de saudades do amigo gigante, que por ser indomável com sua incontrolável força teve de morrer. Nada detia aquela criatura, mas somente aquela pequena voz de criança o encantava, quebrava-lhe as forças brutais e o punha a caminhar mansamente.
O menino e o touro se entendiam na linguagem da inocência, na linguagem do amor; aquele amor que move o mundo, amor pelos animais, respeito pela natureza, o amor inocente de anjo, que toda a força e toda fúria se aquebranta na sua linguagem da inocência.
Gostei… 🙂